segunda-feira, 29 de junho de 2009

Almas

Ela entrou a correr pela cozinha. Começou a debitar outra das suas teorias, nem sequer ouvi. Apenas a olhava. Vi os seus olhos a perguntarem algo à pessoa ao meu lado. Esta acenou. Os seus olhos viraram-se para mim, perguntando exactamente a mesma coisa. Mas eu não sabia o que responder. Eu não sabia ler aquele olhar. Outro alguém irrompeu cozinha adentro e, com as mãos nos seus ombros, perguntou-me :"Então, vens ou não? É para hoje!". Ah, era isso, um convite. Olhei para ela, tentado dizer "Desculpa" só com os olhos. Ela sorriu-me de volta.

E garanto-vos que, se eu nunca soube ler os olhos dela (e eles são daqueles grandes, muito expressivos, não são janelas da alma, são a própria alma), muito menos consegui ler o seu sorriso, sempre tão carregado de tudo e mais alguma coisa. Tentei decifrá-lo: esperança (sempre), carinho, alegria, vida. Tanta vida.

Nessa manhã tínhamos estado a descutir a cor das almas (ela tinha lido um livro que dizia que todas as almas são prateadas e ela dizia que a alma devia de ter a cor que a pessoa quisesse):

- De que cor é a tua alma?-perguntou ela.
-Sei lá. Talvez azul como mar. E a tua?
-Não sei bem. Rosa, talvez. Ou laranja. Ou verde. Ou amarelo. Não sei gosto de muitas cores.
-É arco-íris.

Ela sorriu.

-Não, já sei - disse eu. - A tua alma é transparente!

Sim, porque ao contrário de todas as moedas de duas faces que são as pessoas, ela era como um cubo de vidro que , apesar de ter seis faces, todas elas são iguais e deixam ver o interior. Ela não mostrava só a parte que queria, ela mostrava tudo, tudo o que era e não era. Transparente, límpida, limpa.

-Sabes, há muitas almas que fogem do corpo para conhecer outros sítios. Mas a tua não - disse-lhe.
-Também não gosto de almas presas...
-Não, a tua não está presa. Voa durante o dia, abrançando todo o mundo, conhecendo cada ser, cada pessoa, cada formiga, vendo cada raio de sol e cada gota. Mas ela sabe que tem uma casa, um lar para onde voltar todas as noites e sabe que, por muitos que possa deixar esse lar, nunca viveria feliz com essa decisão.

Lembrei-me desta conversa e tornei a olhar para o seu sorriso. Compreendi-o. Estava muito carregado de tudo, mas era apenas felicidade.


SM**Cappuccino

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Pequena Obra


O Poeta senta-se a um canto.
Escreve, risca, reescreve, risca de novo.
Acaba com uma folha maltratada e cinzenta do carvão.
Decide passar a sua pequena criação a limpo.
E agora? pensa. Que faço eu com tal coisa? Mostro-a, pois então.

E mostra a sua pequena obra, o seu pequeno segredo ao mundo.
Expõe o seu trabalho árduo de longas horas clandestinas.

Agora a obra não é mais sua.
Agora é do mundo e só este pode decidir o seu futuro.
Se calhar vai fazer história.

Provavelmente vai ser criticada, insultada, maltratada, rasgada e colada. Não voltará a ser a mesma criança que saiu das mãos do Poeta.
O Poeta pô-la no mundo, à espera que este a deixasse crescer livremente e espalhar a sua ingenuidade e inocência.

Mas o Mundo castigou e fustigou a pequena obra como se de um demónio se tratasse.
Pior ainda, alguns ainda a ignoraram e viraram-lhe as costas, agora que ela está tão exposta e desprotegida.

Ela, que só ansiava por um coração caloroso onde pudesse crescer livremente.


SM**Cappuccino

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Diário de um marinheiro


18 de Junho de 2009

Cheguei a uma ilha no meio do Atlântico. O sol está a pôr-se e o céu adquire um tonalidade laranja com laivos de vermelho. As nuvens em volta, rosas e roxas, completam a paisagem.
Não posso voltar a Vig depois do aviso do Pai. Agora posso apenas sonhar com os altos edifícios, o céu cinzento, os vizinhos, as lojas do centro. Tudo tão diferente desta aldeia onde me encontro agora. Não posso mais tornar a ver os cais onde cresci, e as minhas memórias são cada vez mais difusas. Terei de me contentar com a vida de marinheiro.
Será que estou realmente a cumprir o meu sonho? Não sou esperado em parte alguma, sou apenas mais uma cara que passa, que vai e não volta. Ninguém sabe quem sou, de onde venho ou para onde vou. Às vezes, nem eu sei.
Viajei por meio mundo, conheci novas terras. Enfrentei novos perigos, provei a doce tapioca e a amarga canela, senti o cheiro da relva, dos animais e da terra, inalei o fumo das fábricas. Vivo a vida com que sempre sonhei. Sou marinheiro e, em breve, serei capitão.
Mas valeu a pena? Deixar a minha família, abandoná-los e saber que nunca poderei regressar? Será que este sonho é assim tão importante que tem o direito de destruir o resto da minha vida?

Será que o Amanhã não vai ser sempre igual a hoje?

SM**Cappuccino

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Doces estrelas

Olhei lá para fora.
Uma tempestade acercava-se da nossa humilde casa à beira-mar. Pensei nele, lá longe, lá esquecido. Será que tinha apanhado algum? Vinha com as redes cheias?
A noite caíra sem que eu desse por isso. Comecei a contar as estrelas. Pensei nas que não conseguia ver. Nas que estavam demasiado longe. Ou que simplesmente não se queriam mostrar. Sim, porque as estrelas também têm vontade própria.
Uma gaivota cruzou aquele azul escuro. Uma luz acendou-se lá ao fundo no horizonte.
Que desejo insaciável era aquele? Que direito proclamado lhes permitia querer alcançar o sonho? Alcançar o horizonte.... E os que cá ficam? E os que não os podem acompanhar?
A luz parecia maior. É ele, pensei. Ele ouviu os meus pensamentos e está a regressar.
Lembrei-me de inúmeras obras. Como sempre. "Horizonte" de Fernando Pessoa. O episódio do "Velho do Restelo", n"Os Lusíadas". A luz aproximou-se e vi que aquele não era o barco dele. "O velho e o mar" de Hemingway.
Olhei para o céu e as estrelas sorriram-me. Sorri-lhes de volta e pedi para me cantarem. Mas elas não cantaram. Supliquei. Nada. Soube imediatamente. Senti lágrimas a escorrerem pelas bochechas. Bochechas. Ele sempre gostara da palavra.
As estrelas derramaram doces lágrimas, acompanhando-me.
Passou muito tempo. Bateram à porta. Era um dos seus colegas. Vinha informar-me. Mas eu já sabia há muito tempo. As estrelas não tinham cantado.


SM**Cappuccino

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Carpe Diem

Hoje não vou mais olhar para trás.
Hoje não quero saber do que pensas ou deixas de pensar
Daquilo em que acreditas ou fazes.
Hoje vou viver a vida como nunca ninguém a viveu.
Hoje vou deixar sorrisos pelo mundo.
Hoje vou deixar um pedacinho de mim em cada coisa que fizer
Só para ficar bonita, só para dar o meu melhor
E chegarei ao fim do dia minúscula,
Mas ainda darei muitos pedacinhos de mim.
Não só hoje, não só amanhã
Não só às coisas que faço.
Darei sempre o meu melhor, a tudo e todos.
Porque desistir não faz parte do dicionário.
Porque eu nunca desisto.
Porque Eu hoje vou viver a vida como nunca niguém a viveu.

Eu hoje vou ser Eu.

SM**Cappuccino