quarta-feira, 31 de março de 2010

Feel

Um passo, dois passos.
Piso a areia, fecho os olhos, estou farta de olhar. Farta de ver.
Sinto apenas.
A areia está quente e seca, sinto as suas fendas debaixo dos meus pés, a colapsarem a cada passo.
Quantas vidas não colapsam por cada passo que damos, e continuamos, nem as sentimos.
Eu hoje senti.

Um passo, três passos.
Chego à areia fria, molhada.
Uma onda vem-me dizer bom dia, molha-me os pés, traz-me uma alga para companhia.
Avanço, uma força gelada embate contra os meus joelhos.
Sento-me na areia, meio dentro de água, a levar com o Sol na cara.
Quantas vezes não nos lembramos de apreciar estes momentos, de sentir estes pequenos contrastes?
Mas eu hoje senti-os.

Um passo, cinco passos.
Estou nas rochas, os mexilhões a picarem-me e a cortarem-me os pés.
Os ouriços, nas poças pouco profundas assustam-se, têm medo que os pise (como fiz o verão passado).
Quantas coisas não pisamos para ficar com o melhor?
E quantas vezes não os culpamos a eles, pisados e feridos, sem os tentar sentir?
Porque dói, eu sei que sim. Às duas partes.
Eu hoje senti isso.

Se abrir os olhos, torna-se tudo demasiado real, tudo demasiado visto e não sentido.
Talvez ponha uma venda, talvez os abra.
Desde que sinta.


SM**Cappuccino
(com saudades da praia e dos mexilhões e dos pobres ouriços)

terça-feira, 23 de março de 2010

Ruas e caminhos

Vagueio por ruas que não me pertencem.
Vagueio sem cessar à procura.
Procuro em cada canto, em cada lamento, em cada boato.
Passo pelas casas e avenidas abandonadas,
Por desertos de cimento e incredulidade.
Por ruas de falsa esperança e abandono,
Por trilhos mal traçados.

Vagueio por aí e não me decido,
Vagueio pelo trilho de areia, é o único que me guia.
Não, não é, eu ando à procura.
À procura, mas não encontro.
Onde está, se já toquei em cada ferida, em cada arranhão,
Em cada pedaço que me arrancaste,
Em cada verdade esfarrapada e corroída,
Em cada mentira tapada com muros altos e protetores.
Vasculhei, e ninguém o pode negar,
Por entre o lixo da sociedade,
Por entre rumos encaminhados,
Por entre notícias fictícias
E histórias para crianças riscadas.

Mas não, fugiu.
Fugiu e eu não encontro.
Sento-me num pontão velho, os pés cansados dentro da água brava,
A alma a chorar,
Os olhos secos como pedra.

Um brilho.
Uma esperança,
Um sorriso.
Encontrei.
Afinal, estavas aqui dentro de mim, não era?
Não te preocupes, eu agora protego-te de todas estas falsidades e mentiras.

Porque já me protegeste antes, não foi?

SM**Cappuccino
(Anda, vamos mergulhar sem medo,
A água está fria e leve, como gostas.
Não tenhas medo.
Não precisas.)

sexta-feira, 12 de março de 2010

Linhas soltas

Sento-me numa qualquer esplanada
Peço uma qualquer bebida, já definida:
Sempre e para sempre um quente Cappuccino.
Há coisas que nunca mudam...

Fecho os olhos,
O Cappuccino aquece-me levemente as mãos.
Há uma espécie de nevoeiro,
Mas o sol brilha apesar de tudo.
Fecho o solhos e tento ouvir:
Carros, motas, buzinas, gritos,
Nada, não o consigo ouvir.

Abro o meu caderno,
Preciso de desenhar alguma coisa
Preciso de reavivar a minha parte impulsiva.
Não sei, nunca sei o que vai sair, cada linha desenha-se a si mesma,
Cada traço surge inesperado,
Cada sombra, cada toque, cada capricho do lápis a soltar-se.

Não O oiço.
Não o oiço e isso põe-me louca.
As linhas cruzam-se, curvam-se, endireitam-se, percorrem um caminho que não decido, apenas auxilio.
As motas e os carros e as buzinas e o ambiente a gemer de dor fazem tanto barulho que não O oiço.
Párem, párem!
Preciso de paz e não a encontro,
As linhas a formarem uma qualquer imagem que lhes apetece,
E eu sem O ouvir.

Mas Ele está sempre lá, não está?
Fecha os olhos, tenta ouvir.
Eu tento.
Por detrás das buzinas e gemidos e queixas dos lagos poluídos e vizinho smal-humorados,
Por detrás das linhas que não controlo,
Por detrás do lápis que segue apenas impulsos que dirigo.
E oiço-O.
Porque sei que está sempre lá.


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"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente.."

Mas, querido Pessoa, às vezes fingimos tanto, que acabamos por fingir que fingimos, não é?
Eu sei, eu sei.


SM**Cappuccino

P.S: reparei agora, foi o 100º post ^^

sábado, 6 de março de 2010

Cheeky

Levanto-me a custo,
O meu corpo a reclamar por mais umas horas de sono.
Ligo a aparelhagem,
Fico de pé a ouvir a voz de alguém.
Demasiado a dormir, não reconheço as notas de "Cheek to Cheek",
Um saxofone e Frank Sinatra em primeiro plano.
Envolve-me.
Entra docemente, tão suave que mal se sente.
Deixo-me ficar ali, sem sentir coisa alguma, apenas a ouvir cada uma das notas tocadas e cantadas.
A música acaba, mas deixo-me lá ficar,
Oiço as minhas veias a contrairem ao ritmo da música,
O meu coração apanhou o entusiasmo de algum instrumento.
Depois pára.
Reparo então na aparelhagem a pedir novas instruções.
Não lhas dou, já gastei o meu tempo antes de acordar.

Continuo a ouvir um violino teimoso de Vivaldi a tocar junto ao meu ouvido,
O restolhar das folhas lembra-me uma música qualquer.
E depois percebo.
É como a sombra.
É tão doce, tão leve que mal se sente.

Mas está sempre lá.
Eu sei que sim.
(Eu preciso de saber que sim)

SM**Cappuccino
(com vontade de tocar viola e ouvir Frank Sinatra e outros o resto do dia)

Heaven.
I'm in heaven.
And my heart beats so that I can hardly speak
and I seem to find the happiness I seek
When we are out together dancing cheek to cheek.

F.S.